O aumento da tributação sobre os combustíveis desde a última sexta-feira (21) representa a maior alta dos últimos 13 anos. Os preços já subiram nos postos e a gasolina em SP, em alguns locais, chega a ser vendida a R$ 4,19. Segundo levantamento do Sincopetro (Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes de São Paulo) os postos repassaram praticamente o mesmo aumento anunciado pelo governo, de R$ 0,41.
Após o aumento dos impostos feito pelo governo Temer, economistas do mercado financeiro já começaram a revisar para cima a projeção da inflação neste ano, estimando que o índice encerre 2017 em 3,33%, ainda longe do teto previsto pelo governo.
Contudo, em junho e julho, o país registrou deflação (queda nos índice inflacionário). Em junho, o IPCA (índice de Presos ao Consumidor Amplo) teve deflação de 0,23% no mês , a primeira em 11 anos. Uma prévia do mês de julho, com o IPCA-15, verificou uma deflação de 0,18%.
O governo Temer tem “comemorado” a redução na inflação como uma vitória em razão da política econômica, em mais uma postura cÃnica com os trabalhadores e a maioria da população.
Para entender o que se passa na economia, entrevistamos o economista do Ilaese (Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos) Gustavo Machado. Confira!
1 – A deflação, registrada nos meses de junho e julho, é um bom sinal para a economia?
Gustavo Machado – Não, é exatamente o contrário. A inflação é um flagelo na vida da maioria das pessoas. Ela reduz o poder de compra dos salários e com ele o custo de vida. Isso faz com que a maioria das pessoas pense que quando se tem uma inflação elevada é porque a economia vai mal, se a inflação é baixa ou negativa (neste caso, deflação) é porque a economia vai bem. Mas esta impressão está errada.
Temos deflação porque ocorreu uma redução do consumo dos trabalhadores em função da crise. E porque esse consumo reduziu? Algumas explicações dizem que, com a crise, as pessoas deixam de consumir e passam a poupar. Essa explicação é um disparate e não condiz com a realidade do Brasil hoje.
O consumo está reduzindo porque se elevou o desemprego, os salários perderam o poder de compra. Em outras palavras, se reduziu a fatia da riqueza destinada aos trabalhadores brasileiros e eles não têm mais condições de consumir como antes. Não se trata de uma situação nova. Por exemplo, no Brasil em 1930, após a grande depressão econômica de 1929, tivemos deflação de 8,9% segundo dados do IPEA.
Mesmo nesse caso, a deflação tem pernas curtas. Como ela expressa a crise econômica e a redução do poder de consumo da classe trabalhadora, resulta também em uma menor arrecadação do Estado. Para reverter esse cenário, o governo elevou os impostos dos combustíveis e seus preços subiram. Assim, já no próximo mês teremos uma elevação da inflação.
2 – Esse resultado significa um alívio direto no orçamento real e cotidiano dos trabalhadores?
Gustavo Machado – Para quem está empregado e não teve perdas salariais, a deflação pode significar um alívio momentâneo. No entanto, no caso do Brasil hoje, ela apenas está ocorrendo porque outra parcela expressiva da população foi demitida e já gastou os benefícios a que teve direito, não possuindo mais recursos para consumir. Também porque outro setor teve perdas salariais. Em outras palavras, a deflação atual expressa muito mais o drama cotidiano direto de parte expressiva dos trabalhadores brasileiros.
3 – De que forma se chegou a essa deflação?
Gustavo Machado – O Índice inflacionário não mede se a economia vai bem ou mal, mas o descompasso entre a circulação de dinheiro e a circulação de mercadorias. O dinheiro apenas representa o valor das mercadorias em circulação. Com uma circulação monetária menor, os preços devem baixar para que uma mesma quantidade de mercadoria tenha seu preço expresso em uma quantidade menor de dinheiro. É normal que em uma crise econômica tenhamos, em primeiro lugar, uma inflação elevada como consequência da paralisação e/ou redução da produção.
Temos, no início, menos mercadorias para uma quantidade não muito diferente de dinheiro em circulação e os preços aumentam. Em seguida, o impacto passa para a circulação monetária, já que as demissões e ataques aos trabalhadores reduzem a sua renda. Com isso, os presos caem.
Em resumo, a inflação elevada de um ano atrás e a deflação atual são dois lados de uma mesma moeda: crise do capitalismo e o deslocamento dessa crise para os trabalhadores.
4 – Como você avalia os sinais econômicos em relação à recessão?
Gustavo Machado – Os índices econômicos bombardeados mensalmente em vários meios de comunicação dizem muito pouco sobre o percurso real que o país está trilhando. Como vimos, inflação e deflação, apesar de serem signos contrários, expressam apenas dois lados de uma mesma moeda.
Uma recuperação do crescimento econômico também significa muito pouco. Primeiro porque o capitalismo funciona por meio de ciclos. E também porque já estamos há dois anos em recessão.
O importante é capturar as consequências sociais que se escondem por trás desses índices.
A crise já mostrou toda nossa fragilidade estrutural. Segundo os dados oficiais, são mais de 14 milhões de desempregados, no entanto, se considerarmos o conjunto da população, temos cerca de 50 milhões de brasileiros em idade para trabalhar e que não trabalham. O trabalho informal já atinge cerca de 30 milhões de pessoas e o total de celetistas está em queda faz mais de dois anos.
Esses dados serão expostos em detalhes em um Anuário Estatístico que o ILAESE vai lançar ainda no próximo mês. Ali veremos que o país está sofrendo a mais de 30 anos um desmonte estrutural, com desindustrialização e submissão ao capital internacional, principalmente o financeiro. A recessão apenas trouxe essa realidade aos olhos de todos.
As cartas já estão na mesa. A patronal quer superar a crise jogando o ônus nas costas dos trabalhadores. Mas também é uma oportunidade única para os trabalhadores darem o troco e tomarem as rédeas do país. A partida está apenas começando.
5 – Em que contexto você avalia que se darão as campanhas salarial deste segundo semestre?
Gustavo Machado – A nova situação brasileira coloca um desafio extra para as campanhas salariais. Por um lado, teremos uma inflação oficial acumulada inferior a 3%. Por isso, a reivindicação corriqueira de ganho real não será grande coisa. Mas por outro lado, temos reformas de peso em curso, reformas que visam derrubar direitos históricos da classe trabalhadora.
Some-se a isso o fato de que a nova Reforma Trabalhista impõem alterações profundas na legislação sindical, dando um peso extra às negociações coletivas. O desafio colocado aos sindicatos brasileiros neste ano é fazer uma campanha salarial mais política, focada nas necessidades mais gerais da classe trabalhadora e menos centrada nas pautas econômicas imediatas de cada categoria. A partir de agora estarão condenados os sindicatos que se limitarem ao feijão com arroz. Esta realidade já está dada para as campanhas salariais deste ano.
Fonte: CSP-Conlutas